A divisão i da BMW é responsável pelos carros elétricos da marca, mas também está envolvida no desenvolvimento da tecnologia de infoentretenimento que vai equipar os BMW do futuro. Alexander Kotouc, gestor de produto desta divisão, veio ao Web Summit à procura de startups que possam ajudar a BMW a desenvolver a mobilidade do futuro.
A BMW está no Web Summit apenas para mostrar os vossos produtos ou está também como potencial investidor em startups?
A BMW está sempre interessada em novas ideias. Fundámos a BMW i Ventures há dois ou três anos. Trata-se de uma parte da BMW i, mas é uma empresa autónoma que tem um determinado orçamento do grupo para investir em novas startups que consideramos que devem ser analisadas atentamente. Temos boa tecnologia no que diz respeito a carros e a mobilidade, mas o mundo é tão grande e há tanto desenvolvimento que faz sentido analisar startups jovens que optam por direções diferentes. Se acharmos as ideias boas, não vamos perder a hipótese de investir.
Um exemplo é o investimento que fizemos numa startup que desenvolve autocarros elétricos. Esta é uma unidade de negócios que, até agora, não fazia parte da BMW, mas pensámos que se quisermos realmente mudar a mobilidade do futuro, então teremos de considerar os transportes públicos. E é também para isto que serve a divisão i da BMW.
Mas no que toca aos carros, há notícias que sugerem que a divisão BMW i não está muito saudável…
Estamos mais que saudáveis. No Frankfurt Motor Show, Harald Krüger, o nosso CEO, anunciou que vamos ver 25 novos veículos BMW eletrificados até 2025. Muito fácil de memorizar: 25 carros até 2025. Doze destes veículos vão ser totalmente elétricos, os restantes vão ser híbridos plug-in. Temos uma estratégia de evolução e revolução ao mesmo tempo. Ou seja, vamos ter muitos BMW i nos próximos anos.
Os anúncios da BMW que menciona vão no sentido de plataformas comuns com os veículos de combustão, mas divisão i da BMW foi criada para criar novos conceitos automóveis no segmento dos elétricos, o que é visível no i3 e i8. Isto significa que a divisão i vai acabar por deixar de fazer sentido?
Como referi, boa parte dos novos carros vão ser BMW i, o que significa que eu não vou desaparecer [sorrisos]. No futuro vamos ter uma arquitetura que é completamente flexível, que vai permitir construir carros elétricos, plug-in e de combustão. Acho que esta é a arquitetura mais inovadora e mais inteligente que podemos ter porque responde a todas as necessidades. Atualmente, temos uma arquitetura dedicada aos elétricos, mas no futuro vamos ter uma arquitetura para todas as motorizações. Por isso, do meu ponto de vista, é uma melhoria e não algo que signifique o fim da divisão BMW i.
Sabemos que os veículos elétricos são mecanicamente mais simples, que a bateria é uma parte muito importante em termos de tecnologia e de custos e que a BMW optou por não desenvolver as células das baterias… Isto não significa que BMW perdeu controlo de uma boa parte do desenvolvimento dos carros?
Sim é verdade que estamos a subcontratar a produção das células, mas devemos sempre separar as células do desenvolvimento do pack de bateria. Acreditamos que as células são componentes básicos que podem ser produzidos por outras empresas, que provavelmente têm melhores os recursos e conhecimento para fabricar as células. E todos podem comprá-las: a Tesla, a Mercedes… É um produto standard. Mas diria que o molho secreto, a verdadeira inovação, está no modo como se cria uma bateria a partir dessas células. O que é evidente quando analisamos a forma como as diferentes marcas automóveis produzem os packs. Acreditamos que temos um conhecimento muito bom de como criar as melhores baterias a partir de células standard. Tem tudo a ver com a refrigeração, com a intensidade de corrente de carga e descarga… Aspetos que influenciam a longevidade da bateria. Concorrentes nossos estão a optar por uma gestão muito agressiva que faz com que a bateria perca um parte importante da capacidade ao fim de apenas três ou quatro anos, o que, é claro, seria inaceitável para a BMW.
Do nosso ponto de vista, a verdadeira inteligência esta na forma como construímos os packs e no sistema eletrónico que gere a bateria.
Isso significa que é a BMW que desenvolve todo o sistema de gestão da bateria, incluindo a eletrónica e o software?
Sim, sem dúvida. E, realmente, é aí que está a nossa capacidade de inovação. Como disse, toda a gente pode comprar células. Posso dizer-lhe quais as células que estão em cada carro elétrico do mercado e, na verdade, são todas muito parecidas. Todavia, o desempenho de cada um desses carros é diferente porque as marcas estão a estruturar essas células de modo particular, recorrendo a tecnologias variadas para formar um pack de bateria. Acho que esta vai ser a característica mais diferenciadora dos carros elétricos.
Uma das vantagens atribuídas à Tesla é a rede de supercarregadores que já permite atravessar a Europa facilmente e até sem custos. Como a BMW vai conseguir competir com esta rede?
Estamos a cooperar com outros grandes fabricantes europeus para criar uma rede carregamento rápido. Mas é importante notar que ainda estamos numa fase muito inicial da mobilidade elétrica porque diferentes empresas estão a fazer coisas diferentes. Falando honestamente, se comprarmos um carro a gasolina sabemos que podemos usar qualquer bomba de combustível pública, independentemente da marca do nosso carro. Como tal, parece-me lógico que o mesmo terá de acontecer com os carros elétricos: recarregar a bateria do nosso carro em qualquer posto. Isto é algo que tem de ser garantido no futuro e o trabalho que estamos a fazer com os outros fabricantes é um passo importante nessa direção.
O carregamento da bateria poderá ser uma parte do serviço da BMW?
Depende. Poderão existir soluções diferentes de país para país. Mas claro que os fornecedores de energia têm um forte interesse neste negócio. Estamos a testar diferentes modelos de negócio, mas nunca nos podemos esquecer de qual é a competência nuclear do grupo BMW. Não somos um fornecedor de energia e é por isso que, provavelmente, não avançaremos com um serviço de distribuição de energia, mas é claro que daremos aos nossos clientes a garantia de facilitar ao máximo o carregamento através do cartão Charge Now.
Todas as marcas, incluindo a BMW, apontam para um futuro onde os serviços disponíveis nos carros vão ser importantes para o negócio. Não há o risco de de as grandes tecnológicas, como a Google e a Apple, roubarem esse mercado às marcas automóveis?
Vejo essa evolução mais como uma oportunidade e não como um risco porque se o fizermos bem podemos entrar em mercados onde atualmente não estamos. Como referiu, o paradigma vai mudar de ter um carro para pertencer a um ecossistema, onde o cliente vai ver o carro como uma extensão da mobilidade. Talvez como o smartphone, provavelmente. Claro que vamos querer controlar o máximo do ecossistema possível.
E por que é que acho estamos numa posição privilegiada? Porque não é suficiente ter a capacidade de desenvolver as funcionalidades de conectividade. É preciso ter a experiência para, por exemplo, desenvolver um sistema que seja usável num veículo que circula a 200 km/h na autoestrada e ainda não vi nada da Apple nem da Google que possa ser utilizado de modo seguro a essa velocidade. Mesmo no âmbito da condução autónoma, onde até é possível que se evolua para velocidades superiores, em quem é que vai confiar a sua vida? Na empresa que já constrói carros há 100 anos e adicionou funcionalidades de conectividade ou numa empresa que está a construir telefones há 10 anos e, de repente, tenta construir um carro. Claro que há uma corrida e a Apple e a Google querem entrar nos nossos carros, mas acho que é uma corrida ainda em aberto.
A BMW tem dados sobre a utilização da tecnologia fornecida com o carro versus a utilização de apps no smartphone? Por exemplo, no que concerne aos sistemas de navegação?
Podemos fazer essa análise com base nas vendas. A maioria dos nossos clientes compra os nossos carros com sistema de navegação. Penso que quem compra um produto premium, com uma boa combinação entre as funções de condução, navegação e conectividade, vai usar esse sistema. Seria como comprar um sistema áudio Hi-Fi muito caro e depois desligá-lo para ouvir música no telemóvel. Nunca vi um cliente de um Série 7 a desligar o sistema de navegação do carro para usar a navegação do iPhone. Mas sabemos que normalmente é mais fácil atualizar o software do smartphone que o do carro. E isto é um desafio para nós. Teremos de ser mais ágeis na gestão do software do carro.
Mas sabemos que os nossos clientes estão disponíveis a pagar mais pela conveniência da integração da tecnologia no carro. E sabemos que se o fizermos bem, vai continuar a ser assim no futuro.
E como será a interface do futuro?
Se olharmos para este dispositivo que está em cima da mesa [um iPhone], verificamos que apenas tem um botão de controlo. Na nossa visão de futuro, os carros vão ter menos botões e interfaces de controlo tradicionais. Achamos que o conceito de premium vai ser muito definido pela simplicidade de utilização. Seja através de controlo por gestos ou por voz… o carro até poderá saber, através da análise dos hábitos do utilizador, como é que o condutor se está a sentir no momento e reagir de acordo com essa informação. Poderá ajustar a temperatura, a música, a configuração de condução… Não vamos precisar de uma interface complicada.