Diz a mais famosa enciclopédia da Internet que a estátua da Praça de Neptuno, em Bolonha, é uma obra de Giambologna (também conhecido como Jean Boulogne) que ficou concluída em 1567, quando ainda havia fogueiras da Inquisição na Europa. Desde essa época que os habitantes da cidade italiana convivem com a nudez do deus da antiguidade – mas, temporariamente, deixaram de o poder fazer no Facebook. Tudo porque o algoritmo maior das redes sociais considera que a imagem do deus desnudado que doma as intempéries de tridente na mão viola as regras internas da publicidade, devido à existência de conteúdos «sexualmente explícitos».
O caso começou quando Elisa Barbari, dando seguimento ao seu ofício, decidiu publicar uma foto da emblemática praça numa rubrica dedicada à cidade de Bolonha. Poderia ser uma foto como qualquer outra, mas o algoritmo do Facebook não teve a mesma opinião e logo tratou de bloquear a imagem, em nome do alegado decoro: «O uso desta imagem não foi aprovado por violar as regras do Facebook para a publicidade. Esta imagem apresenta conteúdo que é explicitamente sexual e revela excessivamente o corpo, focando-se de forma desnecessária em partes do corpo».
Esta foi apenas a resposta automática. Mais tarde o Facebook teve de emendar a mão, quando Barbari já tinha começado a expressar, em declarações ao The Telegraph, entre outros jornais, a indignação pela alegada «censura» que havia sido aplicada a uma obra de arte.
Segundo o Facebook, o caso resume-se a uma falha do algoritmo. «A nossa equipa processa milhões de imagens por semana, e em alguns casos proíbe anúncios de forma errada. Esta imagem não viola as nossas regras de publicidade. Pedimos desculpa pelo erro e já fizemos saber ao anunciante que vamos aprovar o respetivo anúncio».
Pode ser a primeira vez que a estátua de Giambolongna é alvo de bloqueio digital, mas não é a primeira vez que o alegado decoro se sobrepõe às partes pudendas do deus da antiguidade: nos anos 1950, em eventos que envolviam crianças as autoridades locais costumavam tapar parte da estátua. As restrições aplicadas pelo algoritmo do Facebook levaram Elisa Barbari a fazer comparações com o passado – e também remetem para os diferentes casos que têm gerado embaraço junto dos responsáveis do Facebook em torno de um sistema de reconhecimento de imagens que tem vindo a ser apresentado aos jornalistas como uma das tendências tecnológicas em que a rede social mais aposta.
Nas últimas duas edições do Web Summit, a Facebook mostrou a jornalistas e entendidos o potencial de ferramentas que permitem identificar imagens e associar conteúdos e informação para diferentes fins (publicidade, a grupos temáticos, traduções ou apenas bloqueio de conteúdos indesejáveis). Apesar da sofisiticação, o algoritmo não evitou alguns casos polémicos: o The Guardian recorda que um post de um internauta norueguês foi alvo de bloqueio por publicar uma foto icónica sobre a guerra do Vietname que mostrava uma criança a correr nua – e queimada – depois de um ataque com napalm. O caso viria a ganhar proporção quando a rede social decidiu bloquear um post da então primeira-ministra norueguesa Erna Solberg, que também considerou abusivo o bloqueio da imagem.
A estátua da Pequena Sereia, em Copenhaga, ainda que menos explícita que a do Neptuno de Bolonha, é outro dos casos que entrou para a história dos bloqueios de conteúdos questionáveis do Facebook.
Na sequência destes casos, o Facebook anunciou, em outubro, ter procedido a alterações na forma de funcionamento do bloqueio de conteúdos: «O nosso objetivo é permitir mais imagens e histórias sem criar riscos de segurança ou mostrar imagens a menores e outras pessoas que não as querem ver», referiram Joel Kaplan e Justin Osofsky, vice-presidentes da Facebook, num comunicado que tinha por objetivo ilustrar o ténue equilíbrio em que o algoritmo da Facebook tem de operar.