Quintino Aires, um dos mediáticos sexólogos da praça, aceitou falar com a Exame Informática ao telefone sem artefactos e fantasias sobre o efeito que a Internet e as tecnologias têm nas relações amorosas. O sexo não tem guião único – e as tecnologias podem libertar fantasias e melhorar… a economia
A Internet e os telemóveis vieram ou não transformar os relacionamentos amorosos e a forma como conhecemos outras pessoas?
Sim, mudou a estrutura do enamoramento. Há 50 anos havia quem fosse para a porta da igreja aos domingos de manhã para poder conhecer as pessoas, mas hoje é dentro de casa e em qualquer horário, na Internet e com uma aplicação. Nem temos de estar muito atentos porque é o próprio aplicativo que informa sobre a proximidade de alguém para o tipo de contacto procurado. A estrutura do enamoramento mudou completamente. O desafio é manter e continuar com o relacionamento (iniciado em ambiente digital). Nessa parte, as ofertas tecnológicas ainda não nos ajudam. Mas nas primeiras abordagens, mudou completamente e facilitou muito. Estamos a falar de algo que é extremamente difícil porque mexe com a nossa autoestima, com a nossa confiança e a nossa segurança e todas estas novas abordagens ultrapassam, numa grande percentagem, estas dificuldades.
Portanto, vê estas ferramentas com otimismo!
Claro. Tudo o que as tecnologias e as ciências nos trazem pode ter um contributo positivo. Há sempre um grupo mais pequeno que tem um contributo negativo… e naturalmente, o grande desafio que é o amor e todas as dificuldades que envolve, passa a contar com um facilitador, que nos ajuda a relacionar… sendo que temos uma dificuldade imensa a fazer esse percurso. Tudo que nos surja para facilitar esse trabalho é positivo.
Não há uma certa superficialidade e um lado meio mercantilista na escolha do parceiro entre vários que aparecem expostos numa app?
Todas as relações começam com essa coisa de ser bonito ou feio. Só quem tem muita dificuldade em amar ou desistiu de amar é que inicia uma relação com alguém que não ache bonito ou bonita… claro que “o bonito” e “a bonita” é subjetivo; o que é bonito para uma pessoa pode não ser nada bonito para outra. Mas dentro da sua subjetividade, cada pessoa só aceita ter uma relação com outra pessoa se a achar bonita; a menos que se trate de alguém que já desistiu da possibilidade de amar. Por isso, essa primeira abordagem será sempre assim. Por isso é que nós distinguimos a baixa atração, que num primeiro momento nos leva a dizer: «que miúda gira ou que miúdo engraçado». A paixão, acontece na semana seguinte, em que já temos vontade de estar com a outra pessoa; e depois, lá mais para a frente, há a possibilidade de começar a amar. A atração é sempre uma coisa material e física – é a impressão que o outro nos causa.
Esse sentimento progressivo também se reflete na Internet ou nas aplicações de encontros?
Nas aplicações, em quase todas, pode lá ver as figurinhas que atraem ou não… claro que ver as figurinhas, cheirá-las ou ouvi-las falar pode mudar muita coisa. Mas para uma primeira abordagem é excelente.
Também há uma questão de quantidade: na Internet uma pessoa consegue namoriscar com uma, duas, ou 10 pessoas ao mesmo tempo. Este fator de quantidade produz algum efeito nas relações?
Como escreveu e dizia o grande poeta alemã (Johann) Goethe, «quem só conhece um, nenhum conhece». Ter várias possibilidades permite a escolha. E é preciso escolher. Eu não aceito que me escolham para namorar; eu tenho também de escolher. E para escolher tenho de ter alternativas. Quem não tem alternativas não pode escolher; e fica com o que lhe cai na sopa. Portanto, há aqui um aumento de possibilidades… a única questão, como dizia há bocado, é que as tecnologias ainda não ajudam na parte seguinte – na continuação da relação (fora da Internet), mas para esta primeira abordagem já estão a funcionar. Há a questão da passagem do contacto na Internet para o contacto físico, e aí sim, pode haver mau uso da Internet… com as pessoas que ficam um ou dois meses sem as pessoas se conhecerem…
Portanto, os enamorados têm de saber quando devem deixar a Internet e seguir para um encontro real.
Sim, porque a atração dura poucos dias. A paixão dura, vá lá, dois meses. É absolutamente irreal ter uma relação virtual que ultrapasse os dois meses – o que já é um período muito longo – sem as pessoas se conhecerem fisicamente. Para uma amizade, tudo bem… mas para aquelas coisas do «mordia-te a orelha e fazia-te assim e fazia-te assado» ao fim de um mês estamos a sentir que deveríamos ter um encontro físico.
A Internet não aumentou o número de casos de adultério?
Não, já havia muitos! (risos)
Mas quando uma app indica que há uma pessoa na rua ao lado que tem o perfil que procuro e que está disponível para uma aventura com um desconhecido… a infidelidade não fica facilitada?
Mudou a estrutura. Até às tecnologias, os adultérios eram feitos com as pessoas do trabalho. Dentro das fábricas, dentro da empresa, nas escolas onde se trabalhava. Estas aplicações permitem que os adultérios sejam feitos fora dos locais de trabalho. O que tem uma vantagem muito importante: quando o adultério se faz no local de trabalho, por vezes, fica ali um mau clima entre pessoas se envolveram e depois se separaram. Estes aplicativos permitem tirar os adultérios dos locais de trabalho, e levá-los para outras pessoas que, eventualmente, não se iriam cruzar com tanta facilidade. E permite que, depois desta coisa do «experimentar e até logo!» as pessoas não terem de se confrontar. Isso é importante, porque é muito desconfortável estar num trabalho com alguém com quem se teve um caso que, depois, não deu em nada.
Estas apps, ao proporcionarem sexo a quem dificilmente consegue ter, têm ou não um efeito social benéfico?
Aí tem um aspeto muito-muito-muito-muito positivo. Há muito anos que defendo que o sexo – o sexo excitante, bom e agradável – aumenta o Produto Interno Bruto, torna os chefes mais agradáveis. Uma boa maneira de ver a qualidade do sexo dos nossos chefes é ver o quanto estão implicativos connosco. Portanto há aqui muitas vantagens, até para o mercado laboral. Neste período em que se fala de crescimento do PIB e da redução do défice, trata-se de um bom contributo das tecnologias… estou a rir-me, mas é um assunto muito sério: nem todas as pessoas estão dentro de uma relação amorosa, mas isso não significa que não precisem de sexo. Aqui têm uma via mais facilitada…
As tecnologias também estão a ser usadas para criar dispositivos que estimulam sexualmente homens e mulheres que se encontram distantes… Será que estas tecnologias podem superar o sexo com humanos?
Para começar, sigo uma perspetiva otimista: o maior desafio do sexo ou da falta de sexo – sendo que se faz tão mau sexo, particularmente em Portugal – está relacionado com a questão da fantasia. Sem fantasia não há sexo. Aprender a fantasiar no sexo é extremamente difícil. O que essas interfaces fazem é o treino da fantasia – porque é exigida fantasia, não é só ter uma qualquer coisa a simular. E as pessoas, depois, importam esse treino da fantasia quando estão no sexo a dois, um com ou outro, real e físico. A estimulação das fantasias, que liberta e quebra as amarras e permite fantasiar com outras coisas que, na nossa sociedade, ainda não acontece com facilidade pode ter um ganho. O perigo é sempre o mesmo: é como ficar na Internet muito tempo a teclar e deixar passar o mesmo tempo e não haver um encontro com a pessoa… e aqui o perigo é ficar demasiado preso nestas brincadeiras e apreciar muito a excitação que resulta da liberdade de fantasiar quando estamos sozinhos… e quando estamos com alguém sentimos alguma inibição, e depois podemos concluir que não é tão bom quando estamos acompanhados. Não, não é isso. O que acontece é que a fantasia que treinei quando estive sozinho vai ter de ser treinada quando estou acompanhado… logo uma pessoa não deve abdicar ou andar a fugir de estar com alguém. É preciso importar as fantasias para os momentos em que se está com alguém. Se estamos com alguém e inibimos a fantasia pode parecer que não é tão bom. Tudo isto (as tecnologias) é muito bom para aumentar a nossa fantasia para nos libertarmos mais, para termos maior possibilidade de encontrar alguém. Não é um ponto de chegada; é um ponto de partida.