Amanhã, a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) vai levar a cabo um seminário, no âmbito das XII comemorações do Dia do Táxi. Estes eventos, que se repetem de dois em dois anos, costumam contar com responsáveis do Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT) e do Governo, mas este ano há uma questão que se coloca: como vão ser recebidos os representantes do Governo e da autoridade reguladora dos transportes, se comparecerem no local?
Florêncio Almeida, presidente da ANTRAL, garante que os representantes das autoridades «serão bem recebidos, apesar da diferença de opiniões», mas tudo indica que o encontro terá alguns momentos de tensão. E tudo devido a uma empresa que, de certeza, não estará presente no local: a Uber. Quatro letras que inflamaram ânimos dos taxistas franceses que lançaram, ontem, o caos no trânsito de Paris e, em especial, nas redondezas dos aeroportos – precisamente a origem e o destino dos passageiros que potencialmente dão maiores proventos nos transportes ligeiros de passageiros e que correspondem ao filet mignon do segmento hoje disputado pelos táxis “tradicionais” e pela Uber.
Por pressão política ou por convicção, o governo francês já ordenou o bloqueio das aplicações que permitem que condutores não licenciados recolham passageiros, que agendam serviços na Internet. Ontem, os meios de comunicação garantiam que a medida não surtiu efeito, porque apenas os tribunais terão poder para ordenar o bloqueio de um site.
Em Portugal, a situação é quase inversa. O Governo mantém o silêncio sobre o assunto; João Carvalho, presidente do IMT, diz que o serviço da Uber é ilegal mas considera que é hora de mudar a legislação para que uma nova geração de serviços possa operar de acordo com as novas tendências de consumo; e a ANTRAL interpôs uma providência cautelar, que foi aceite, mas não tem efeitos práticos pelo facto de, aparentemente, ter sido apresentada contra uma delegação estrangeira da Uber que não opera em Portugal. Resultado: a Uber continua a operar, apesar de ter sido ouvida em tribunal na passada terça-feira, no âmbito de uma providência cautelar.
E o que foi dito nas audiência? Florêncio Almeida aponta um dos alegados pecados de uma das startups mais valiosas do mundo: a Uber terá confirmado em Tribunal que «usa rent-a-cars para transportar passageiros» e que a plataforma encaminha os consumidores para um número muito reduzido de Táxis A e Táxis T.
Fora dos tribunais, a Uber refuta a acusação numa resposta oficial enviada para a Exame Informática: «Em Portugal, a Uber opera apenas com parceiros licenciados para o transporte de pessoas em veículos ligeiros ao abrigo da legislação em vigor. Este tipo de parceiros, que já prestava estes serviços antes da chegada da Uber ao mercado português, inclui Táxi A, Táxi T e empresas de “rent-a-car”. A Uber veio ligar estes parceiros de forma mais eficiente às pessoas – os utilizadores da plataforma – trazendo-lhes mais clientes, criando-lhes importantes oportunidades económicas e permitindo-lhes responder às necessidades de mobilidade urbana dos residentes e turistas de Lisboa e Porto. Optamos por não discutir números de utilizadores ou motoristas porque o que realmente importa é o nível de conveniência com que conseguimos proporcionar aos nossos utilizadores um transporte seguro e fiável. O nosso objetivo é complementar as opções e infraestruturas de mobilidade urbana ao proporcionar viagens seguras, fiáveis e económicas às pessoas das cidades».
Para os menos versados no assunto, há que acrescentar o seguinte: Táxis A correspondem a táxis com licenças para operar num segmento mais endinheirado que privilegia a qualidade; as licenças dos Táxis T apenas contempla transportar pessoas a partir de hotéis, eventos ou recintos turísticos e não permite a tomada de passageiros nas praças de táxis e nas ruas; e os rent-a-cars são carros alugados.
As duas partes já mostraram que não estão dispostas a ceder. O que torna a missão do IMT e do Governo cada vez mais delicada… e talvez possa ajudar a explicar o silêncio da entidade reguladora dos transportes. Ao longo da semana, a Exame Informática pediu, através dos serviços de assessoria de imprensa, dados sobre as diretivas dadas a técnicos e fiscais que têm de lidar com eventuais autos da Uber dentro do IMT. Também foi solicitada a confirmação – ou o desmentido – sobre os autos que o presidente da ANTRAL garante terem sido levantados no Porto por alguém apresentado como «Dr. Marcelo».
Apesar de ser uma instituição pública, suportada pelo dinheiro dos contribuintes, o IMT nunca se dignou a responder a estas questões que apenas versam sobre dados concretos e não envolvem opiniões ou comentários, que poderiam inquinar a disputa judicial. Pelo que se torna impossível responder neste texto à questão que poderá assolar qualquer consumidor português: é legal usar o Uber em Portugal?