A Rede Nacional de Emergência e Segurança (conhecida pela sigla SIRESP) registou um somatório de indisponibilidade de 9000 horas em todas as estações e antenas durante 2017. Pelos anexos confidenciais do contrato celebrado com o Estado Português, esse total de indisponibilidade já dá direito a reclamar penalidades junto do consórcio que assegura a manutenção da rede SIRESP, caso corresponda a uma indisponibilidade operacional, apurou a Exame Informática.
Na quarta-feira, Eduardo Cabrita avançou com uma primeira estimativa de indisponibilidade da rede SIRESP, mas não referiu o número de antenas afetadas, nem esclareceu se a indisponibilidade de rede redundou numa total incomunicabilidade ou se abrange também antenas que passaram a operar com algumas funcionalidades limitadas. O ministro apenas refere genericamente «9000 horas de indisponibilidade da rede SIRESP em 2017».
De acordo com o que está estabelecido nos anexos confidenciais do contrato de parceria público-privada do SIRESP, o Estado Português tem direito a aplicar penalidades ao consórcio que gere a rede nacional de emergência sempre que a disponibilidade operacional da rede for inferior a 99,91%. O que, visto na perspetiva inversa, significa que o período de indisponibilidade de parte ou da totalidade do conjunto de retransmissores não pode exceder 0,09% do período total previsto para um ano de funcionamento de todo o SIRESP.
Estas percentagens têm por ponto de partida a seguinte fórmula: as 548 antenas do SIRESP que estavam referenciadas em 2017 multiplicadas pelo total de horas possíveis num ano. Ou seja: a multiplicação de 548 antenas por 8760 horas possíveis num ano. O que dá 4.800.480 de pontos – que só podem ser atingidos num cenário perfeito em que todas as antenas dos SIRESP funcionam ininterruptamente ao longo de um ano.
Tendo em conta a fórmula usada no cálculo para a aplicação de penalidades, que a Exame Infomática e o Expresso divulgaram no verão passado, a referência a ter em conta são os 0,09% de indisponibilidade operacional, que correspondem a um total de 4320,432 pontos.
Teoricamente, o facto de não se saber o número de antenas afetadas poderia inviabilizar o apuramento dos pontos correspondentes às 9000 horas de indisponibilidade, uma vez que horas e pontos (sendo que os pontos correspondem a “horas antena”) são medidas diferentes.
Só que para efeitos de aplicação de penalidades, pouco importará o número de antenas que estiveram indisponíveis. Dito de outra forma: é indiferente se todas as antenas do SIRESP estiveram indisponíveis durante oito horas (oito horas a multiplicar por 548 dá 4384 pontos e este valor supera o 4320,432 pontos que servem de máximo possível para a indisponibilidade), ou se foi apenas uma antena que esteve sem funcionar durante seis meses (o correspondente a 4380 pontos, após multiplicação de uma antena por 4380 horas possíveis em seis meses). O que permite confirmar que, apesar de formalmente horas e pontos serem medidas diferentes, as 9000 horas de indisponibilidade apresentadas ontem por Eduardo Cabrita no Parlamento poderão corresponder a mais do dobro dos 4320,432 pontos considerados como o limiar máximo de indisponibilidade para escapar às penalidades previstas.
Há apenas um fator que poderá livrar o consórcio SIRESP SA da aplicação de penalidades. Os anexos confidenciais do contrato do SIRESP distinguem dois tipos de penalidades possíveis: um tipo de penalidade que é determinado pela já descrita indisponibilidade operacional (que corresponde à inexistência de comunicações numa ou mais antenas), e um segundo tipo que diz respeito à indisponibilidade global, cuja contabilização é feita com a soma de todos os períodos de total incomunicabilidade e de todos os períodos em que em que cada uma das antenas passou a operar em modo local e apenas consegue assegurar ligações entre operacionais que se encontram nas imediações, mas perdeu a capacidade para comunicar com os centros de comando, que estão distantes.
Na indisponibilidade global, que se distingue da indisponibilidade operacional por ter em conta os períodos em que as antenas funcionam em modo local, o limite mínimo são os 99,6% – o que significa que as penalidades apenas são aplicadas quando os períodos de indisponibilidade superam os 0,4%. Resultado: no indicador da indisponibilidade global, que é menos exigente que o da indisponibilidade operacional, só superando os 19.201,92 pontos haverá direito a reclamar uma penalidade junto da SIRESP SA.
As 9000 horas de indisponibilidade referidas pelo ministro da Administração Interna no Parlamento não chegarão para a aplicação da penalidade por via da indisponibilidade global (mesmo que a 548 antenas do SIRESP estejam todas limitadas ao modo local durante 35 horas não se obtém mais de 19.180 pontos).
O contrato também refere que, ao contrário do que acontece com a indisponibilidade global que contabiliza todos os períodos de falha, a entrada em modo local apenas é contabilizada para efeitos de indisponibilidade operacional, quando afeta 12,5% das antenas (63 um total de 548).
«O levantamento que foi feito aponta para 9000 horas de indisponibilidade da rede SIRESP em 2017, e daí tiraremos sem demagogias as responsabilidades necessárias», prometeu Eduardo Cabrita.
Desde que a rede de emergência nacional entrou em total operacionalidade em 2010, nunca foi aplicada uma única penalidade ao consórcio – mesmo nos casos em que as comunicações chegaram a afetar mais de 80 antenas. No ano passado, a Exame Informática noticiou por mais de uma falhas na rede SIRESP na sequência dos incêndios registados em Pedrógão, Alijó, e Mação.
As penalidades podem ser aplicadas sob a forma de abatimentos dos valores que o Estado tem de desembolsar ao consórcio que assegura a manutenção da rede SIRESP.
A SIRESP SA é detida pela Galilei, a Altice, a Motorola, entre outras entidades.