Começo por vos citar Tim Cook: «Cada país no mundo decide as suas leis e regulamentações. Assim, a decisão que temos de tomar é se participamos ou se ficamos de lado a gritar como as coisas deviam ser? A minha perspetiva é de que devemos aparecer e participar. Entrar na arena, porque nada muda quando se está na linha lateral». Estas foram declarações proferidas pelo CEO da Apple num evento da Fortune realizado em 2017. Por que as recordo agora? Porque parecem uma espécie de justificação antecipada para o facto de recentemente a empresa de Cupertino ter alterado as aplicações Maps e Weather para passarem a mostrar a Crimeia como território russo para os utilizadores de iPhones e iPads que estejam na Rússia.
Pode parecer um tema despiciendo à primeira vista para muitas pessoas, mas não o é para os ucranianos que foram vítimas de uma anexação unilateral em 2014. E esta decisão vem na sequência de outra do mês de outubro, em que a Apple impediu utilizadores de Macau e Hong Kong de usarem o emoji da bandeira do Taiwan, um gesto que foi visto como uma cedência da tecnológica ao governo chinês que se tem deparado com semanas consecutivas de protestos liderados por jovens de Hong Kong.
É a Apple a única a ceder neste tipo de matérias? Claro que não. Aliás, basta ver o exemplo recente da NBA. Em outubro, o General Manager dos Houston Rockets, Daryl Morey, publicou um tweet aparente inócuo a manifestar o seu apoio aos protestantes de Hong Kong. Consequência? A China proibiu a transmissão de jogos de basquetebol da liga americana no seu território e a NBA perdeu acesso a uma gigantesca fonte de receitas. Resumindo, o tweet foi rapidamente apagado e a liga desfez-se em desculpas ao governo chinês.
O ponto ao qual quero chegar é que, se calhar, está na altura de olharmos para o cenário geral e pararmos de ceder a chantagens políticas ou económicas sobre temas de liberdade de expressão. E é aqui que acho que as grandes tecnológicas podem desempenhar um importante papel neste combate à subserviência. Sim, sabemos que são empresas cotadas em Bolsa e que têm obrigações perante os seus acionistas, mas são também das companhias mais influentes do mundo e com poder para marcar uma posição. Eu, que sou ateu, até lhes posso deixar uma citação da Bíblia: «O amor ao dinheiro é a raiz de todos os tipos de mal».
Diz-se muitas vezes que a tecnologia anda mais depressa que a legislação – veja-se o caso dos carros autónomos e de como a demora na regulamentação está a atrasar a implementação deste tipo de veículos –, pelo que gostaria muito de ver a Apple, a Google, a Facebook, a Amazon e a Microsoft empenhadas a sério em acelerar e usar o seu poder para lutar a sério pela liberdade das pessoas sobre as quais têm tantos dados. A Google até podia começar por voltar ao seu lema (não oficial) “Não sejas mau”, que foi, entretanto, trocado por um mais genérico “Faz a coisa certa”. Ou então fazer a coisa certa pelas pessoas e não pelo dinheiro. O tio do Homem-Aranha disse ao super-herói que «Com grande poder vem grande responsabilidade» e eu ficaria contente se os líderes das grandes tecnológicas adotassem a minha versão: «Com grande poder vêm uns grandes tomates».